terça-feira, 20 de dezembro de 2011

SOBRE A CRISE DA HERMENÊUTICA JURÍDICA

O texto seguido referente à quinta seção desse estudo discute aspectos conceituais da ciência hermenêutica, no campo jurídico destacando neste alguns elementos de crise.

A idéia “hermenêutica” surge da mitologia grega, deus Hermes, o mensageiro dos deuses, - a quem se atribui a origem da linguagem e da escrita -, que tinha o dom de permitir às divindades falarem entre si e também aos homens. De uma forma ou de outra, fato é que o termo está diretamente associado à idéia de compreensão de algo antes ininteligível. Hermes tinha uma função intermediária entre os deuses e os homens, e assim, funcionava como um intérprete.

Trata-se de um termo originário do verbo grego hermeneuein e do substantivo hermeneia, que significam, em sua extensão semântica, algo que “é tornado compreensível”, “levado à compreensão”. Significa trazer à luz algo oculto, desvelar, revelar. É expressar, interpretar e igualmente traduzir. Nesta última, a hermenêutica assume o sentido de uma orientação interpretativa, uma vez que o tradutor de um texto esclarece ou torna compreensível o pensamento que está em outra língua. É a compreensão do dito, enquanto se traduz a expressão, o pensamento na alma humana.

Surgia à hermenêutica como uma disciplina auxiliar, isto é, um cânon de regras que tinha como propósito o tratamento com os textos.

Enquanto teoria da correta interpretação, a hermenêutica tem sido empregada sob três esferas de sentidos, a saber: auxiliar nas discussões sobre a linguagem do texto[1] (dando origem à filosofia); no sentido de facilitar a exegese da bíblia, bem como para orientar a jurisdição.

Considerando que a Hermenêutica é compreendida como a arte de interpretar, pode-se afirmar que aquela se traduz como compreensão é compreensão.  Desse modo, a hermenêutica Jurídica seria então a compreensão que daria o sentido à norma, à lei. Em outros termos, há na lei ou no texto jurídico sentido que não está explicito para que possa ser aclarado essencialmente. Disso se abstrai que o conhecimento da norma supõe a compreensão da mesma, não como um exercício de mera apreensão da dogmática jurídica, ou da letra da lei, contudo, trata-se da interpretação criativa, crítica, cujo sujeito determinado por sua cultura é capaz de dar conta da interpretação como processo de compreensão do Direito.

A compreensão histórica constitui um meio para se chegar a um fim. Do ponto de vista jurídico, o historiador do direito enfrenta culturas jurídicas passadas no seu trabalho de interpretação da lei, sem ter diante de si nenhuma tarefa jurídica, pretendendo apenas averiguar o significado histórico da lei. Quanto ao juiz, este deve sincronicamente adequar a lei transmitida às necessidades do momento, já que a aplicação da lei é uma tarefa prática.

Ao interpretar uma lei, para concretizá-la, o juiz deverá realizar uma tradução necessária da lei, mesmo que esta seja nos moldes de uma mediação com o presente. Isso significa que para efetivação de uma hermenêutica jurídica os membros de uma comunidade jurídica devem estar vinculados a essa comunidade.

A lei a ser interpretada não é letra morta, porém é uma forma representativa de um conteúdo do espírito, que igualmente se configura como conteúdo normativo e instrumento que tem como propósito dirigir a convivência social cuja tarefa da interpretação cabe à subjetividade do intérprete.

Desse modo, uma interpretação histórica da norma possibilita ao jurista-intérprete identificar os tipos de interesse determinantes da disciplina legislativa, não ignorando os problemas da convivência social.



[1]As duas primeiras esferas de sentido tem como base as teses de Dilthey. E o terceiro emprego da  hermenêutica tem fundamento nas lições de  Betti

sábado, 10 de dezembro de 2011

O DIREITO NA COMPREENSÃO CRÍTCA

A explicação do direito na perspectiva do Materialismo Histórico Dialético defende que o as relações jurídicas são determinadas pelas transformações econômicas que originaram as sociedades de classe. Assim a separação dos homens em exploradores e explorados destruiu a comunidade de iguais, através da divisão social do trabalho. Marx, em suas análises discute o movimento dialético característico da história dos homens na produção material da existência.
No século XVIII, com o advento do capitalismo a grande indústria se universalizou, criando também o mercado mundial. Engendra a rápida circulação, com o desenvolvimento do sistema monetário e a centralização dos capitais.


Destruiu a ideologia, a religião a moral. (...) Colocou a ciência da natureza sob o controle do capital e arrancou a última aparência do regime natural da divisão do trabalho (...) e reduziu todas as relações naturais a relações fundamentadas no dinheiro. (...) Tornou perfeito o triunfo da cidade comercial sobre o campo. Sua primeira premissa é o sistema automático. (MARX & ENGELS, 2007, p. 87)


Nesse modelo de sociedade, Estado constitui a forma mediante a qual os indivíduos da classe dominante fazem valer seus interesses comuns; “ Daí também a ilusão de que a lei se fundamenta na vontade e, ademais na vontade desgarrada de sua base real, na vontade livre. E, do mesmo modo, o direito é reduzido à lei”. (idem, ibidem, p. 90).
Para garantir a superioridade dos proprietários dos meios de produção, dos donos da propriedade privada, surge o Estado como instrumento de violência organizada.O Direito surge, na sociedade burguesa, como legitimador e regulador da dominação da classe que se constitui como detentora da propriedade.
Sobre o direito privado, o referido autor declara que naquele as relações de propriedade (direitos reais), são declaradas como resultante da vontade geral. Assim, o mesmo jus utendi e abutendi mostra que a propriedade privada já não depende da essência comunitária, insinuando a ilusão de que a propriedade privada repousa sobre a vontade e igualmente o direito de dispor arbitrariamente da coisa, (idem, ibidem). Tal ilusão jurídica que defende o direito como mera vontade, conduzindo a pensar que nas relações de propriedade uma pessoa possa ter o direito jurídico de uma coisa sem chegar a possuí-la. “(...). Contudo ele nada poderá fazer com este direito, nem mesmo possuirá nada como proprietário da terra, a menos que disponha de capital suficiente para cultivar o solo que lhe pertence” (idem, ibidem, p. 91)
Na sociedade comunista, que supõe a associação livre dos produtos, o direito resgataria seu caráter universal.
Conforme as teses do marxismo sobre a origem do direito, este, não teria se originado em deus, nem na razão humana, ou na consciência coletiva, mas no Estado, não existindo direito sem Estado e nem Estado sem direito.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO SOB A ÓTICA DA TEORIA CRÍTICA

O estudo em apreço busca discutir a problemática dos direitos humanos nas relações de trabalho. Trata-se de investigar a necessária relação entre o sistema laboral e sua práxis[1] tendo como intermédio o direito na sua justa presentificação. Destaque-se, que o direito não deve ser visto tão somente como cristalização de leis e códigos, contudo ele se manifesta em conflitos que se traduzem historicamente em transformações realizadas pela humanidade, na busca infinita pela conquista de direitos inalienáveis. Nessa medida, compreender o direito supõe percebê-lo para além de uma visão abstrata das lides entre sujeitos individuais. Contrariamente, a esfera do direito reclama uma interpretação que o decifre como a expressão coativa de tensões e contradições engendradas pelos embates de interesses e projetos de grupos sociais.

Nessa perspectiva, perceber a manifestação concreta do direito supõe igualmente compreedê-lo no contexto de sua gênese ou geração histórica, mediante os processos que o constituíram, e ante as formas como ele foi normatizado. Ao lado disso, devem-se identificar os efeitos produzidos nos diferentes modelos de sociedade ao longo do processo da luta de classes entre os homens. (2007).

Relevante se faz ressaltar, que a esfera do direito, como as teses de Karl Marx e Friedrich Engels (2007) comporta a esfera ideológica do campo superestrutural da sociedade dividida conforme os interesses dos grupos socias. Igualmente, conceber o direito significa ao mesmo tempo discutir acerca de escolhas valorativas e condutas que são consideradas corretas, logo recompensadas ou comportamentos reprovados ou punidos, o que vai engendrar a necessária dimensão ético-axilógica do fenômeno jurídico.

É possível ainda afirmar, que as relações jurídicas manifestas sob o signo do direito positivo, expressam os comandos de quem detêm o aparelho do Estado. Elas vão tutelar de modo efetivo os direitos dos grupos hegemônicos[2], cabendo às massas e maiorias as normas programáticas, que assumem a natureza de um programa, formalmente positivado nas constituições, a exemplo do que preceitua a Constituição Pátria, no caput do artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei.” Todavia, vale dizer que outros direitos estão surgindo pelas lutas, reivindicações e pressões dos que se organizam para ter seus direitos consignados. Tais constatações são vislumbradas ao longo da história, especialmente no campo do direito do trabalho, objeto desta discussão.

O estudo propõe um breve diálogo com alguns pensadores em suas diferentes abordagens jurídicas, destacando-se os que ousaram propor uma teoria crítica no campo das ciências humanas e sociais. Dentre os interlocutores aqui convidados destacam-se Hans Kelsen (2008), mediante alguns elementos do positivismo jurídico, Norberto Bobbio (1995), em suas análises sobre o direito natural, Karl Marx e Friedrich Engels, (2007) quando discutem a natureza ideológica do direito e as históricas transformações nas relações do labor humano; Igualmente buscaram-se fundamentos nas teses de Paulo Bonavides (2006), ao discutir as gerações do direito e Lênio Streck (2003) quando elabora uma crítica à hermenêutica jurídica mediante uma prática formalista da justiça, limitada ao codicismo, que entende o direito como aplicação da lei ao caso concreto.

A pesquisa tem como opção teórico-metodlógica uma abordagem crítica do direito, elegendo como método de procedimento um estudo histórico e comparativo.

Vale dizer que este estudo, num primeiro momento, apresenta alguns fragmentos acerca do conceito de justiça aliada às concepções do jusnaturalismo e do direito positivo kelseniano; num segundo momento, apresenta breves linhas dedicadas às teses do Materialismo Histórico Dialético, através de Marx e Engels; posteriormente, analisa aspectos das relações de trabalho no Brasil e as tendências do direito do trabalho no mundo contemporâneo, e finalmente faz uma reflexão sobre a crise da hermenêutica jurídica.



[1] O termo é originário da língua grega (πράξις), que pode ser interpretado como a aplicação de uma teoria na prática, convertendo-se em experiência vivenciada.
[2] No mundo grego da Antiguidade tal noção se referia à supremacia de um Estado dentro de uma confederação. Nessa medida das cidades-estados gregas, três se destacaram como hegemônicas: Esparta, Atenas e Tebas. Contemporaneamente, a noção de hegemonia foi resgatada por Antônio Gramsci, filósofo italiano de linha teórica marxiana. Para ele, tal conceito refere-se à dominação ideológica de uma classe sobre outra em determinado bloco histórico, especialmente, a dominação burguesa sobre o proletariado.

ASPECTOS DA NOÇÃO DE JUSTIÇA E DIREITO PARA O HOMEM COMO SUJEITO DO DIREITO

Parte 3 Conclusão


Do Renascimento ao século XVIII, se evidenciam concepções que transitam para um paradigma moderno, a exemplo do pensamento político de Maquiavel em “O príncipe, escrito em 1513. Nessa obra, o autor critica os fundamentos de natureza transcendental divina optando por uma explicação metodológica do tipo histórico-comparativa, sob bases empiristas. Para ele, as coisas devem ser aceitas como são e não como deveriam ser. Nesse sentido, a manutenção do poder justifica qualquer meio pois é um fim em si mesma. O direito deve basear-se na garantia de continuidade do poder e não na justiça.

Hugo Grotius, jurista holandês, no início do século XVIII concebeu um direito supranacional que pusesse limite ao poder absolutista das monarquias européias. Rejeitou a "razão de estado" defendida por Maquiavel como fonte do direito e propôs uma versão atualizada do direito natural estóico, com elementos do direito romano e da teologia cristã. Thomas Hobbes, adotando uma perspectiva mais próxima à de Maquiavel, entendia que a natureza humana não é tão perfeita como pensavam Grotius e os estóicos. Ele defendia que o homem, no estado de natureza, luta somente por sua sobrevivência e só cede parte de sua liberdade e se submete à autoridade alheia em troca de segurança.

Montesquieu foi um dos pioneiros a rejeitar o direito natural. Em sua obra “Do espírito das leis defendeu a tese segundo a qual o direito e a justiça de um povo são determinados por fatores que influem sobre eles e, portanto, não é aplicável o princípio da imutabilidade sustentado pelo direito natural.

Kant, igualmente partilhando do jusnaturalismo, vai afirmar que todos os conceitos morais são baseados no conhecimento a priori, somente podendo ser atingido por intermédio da razão. No entanto, os conceitos kantianos mostraram-se com caracteres também transcendentais quanto os do direito natural.

Na primeira metade do século XIX, o pensamento jurídico experimentou por influência da filosofia positivista de Augusto Comte uma reação ao idealismo e às teorias do direito natural. De acordo com a doutrina do positivismo analítico, os casos deveriam ser resolvidos mediante o estudo das instituições e leis existentes. Segundo o positivismo histórico, cujo principal representante foi o jurista alemão Friedrich Karl Von Savigny, o direito reside no espírito do povo e o costume é o direito por excelência. O papel do jurista consiste em interpretar esse espírito e aplicá-lo às questões técnicas.

A interpretação materialista do direito iniciou-se com a doutrina marxista, para a qual os sistemas político e judicial representam a superestrutura da sociedade. Surgida em meados do século XIX, combinou a fé no progresso, a evolução social, o racionalismo, o humanismo e o pluralismo político com a concepção segundo a qual o modelo mecanicista da ciência natural é válido para as ciências sociais.

A teoria pura do direito, cujo mais conhecido representante foi o austríaco Hans Kelsen, concebia o direito como um sistema autônomo de normas baseado numa lógica interna, com validade e eficácia independentes de valores extrajurídicos, os quais só teriam importância no processo de formação do direito. A teoria das leis é uma ciência, com objeto e método determinados, da qual se infere que todo sistema legal é, essencialmente, uma hierarquia de normas.

As escolas modernas do realismo jurídico entendem o direito como fruto dos tribunais. Dentro de sua diversidade, essas escolas admitem princípios comuns: a lei decorre da ação dos tribunais; o direito tem um propósito social; as mudanças contínuas e ininterruptas da sociedade se verificam também no direito; e é necessário distinguir o que é do que deve ser.

sábado, 26 de novembro de 2011

ASPECTOS DA NOÇÃO DE JUSTIÇA E DIREITO PARA O HOMEM COMO SUJEITO DO DIREITO

Parte 2
Na proposta da República, o desejável não é o usufruto de uma felicidade individual por parte de cada classe social, contudo o importante é que toda cidade seja feliz. Desse modo, o indivíduo seria membro integrante da cidade para desempenhar sua função social. Nisto consistia a condição de ser justo. No Livro I, II, III, Platão, a partir do estilo do diálogo pretende refletir sobre a virtude da justiça. Para isso, vai contar com a participação de vários interlocutores, dentre esses, Sócrates, Céfalo, Polemarco, Glaucon, Trasímaco.

Céfalo vai definir a justiça como a perspectiva de falar a verdade, restituindo aquilo que se tomou, já Polemarco a define como “dar a cada um o que se deve” e Trasímaco a concebe como o interesse ou a conveniência do mais forte.

Pode-se dizer, que a construção da cidade platônica concebida como um lugar definido sob a inspiração do logos adverte para a edificação de uma República ou Estado paradigmático, cuja preocupação maior deva ser a efetivação das virtudes da coragem, da temperança, da sabedoria, estas concebidas como uma possibilidade de reforma interior, alicerçadas na virtude da justiça.

Aristóteles, discípulo de Platão, que tinha em comum com ele a idéia de uma realidade que transcende a aparência das coisas tais como são percebidas pelos sentidos humanos, defendia a validade da lei como resultado da vida prática: o homem, por natureza, é moral, racional e social e a lei facilita o desenvolvimento dessas qualidades inatas.

A concepção do direito natural como emanação do direito da razão universal foi obra da filosofia estóica. O ideal ético dessa doutrina, iniciada na Grécia e de grande influência no pensamento romano, foi sintetizado no século III de nossa era por Diógenes Laércio: a virtude do homem feliz e de uma vida bem orientada consiste em fundamentar todas as ações no princípio de harmonia entre seu próprio espírito e a vontade do universo.

Na Idade Média, no apogeu da escolástica, nome com que se define genericamente a filosofia cristã medieval, deu-se no século XIII com santo Tomás de Aquino que, a exemplo de santo Agostinho, subordinou o direito positivo (secular) à lei de Deus. Uma disposição do direito positivo não podia violar o direito natural e, em conseqüência, o direito eterno divino. A tendência de fazer prevalecer a razão sobre a vontade foi rejeitada, também no século XIII, pelo franciscano britânico John Duns Scotus[1], para quem tudo se devia à vontade de Deus e não existia nenhum direito natural acessível à razão humana. O direito positivo somente tinha validade e eficácia se não contrariasse a vontade divina superior a ele.


Conclui na próxima postagem!

[1] John Duns Scot, ou Scotus (escocês) ou Escoto nasceu em Maxton, condado de Roxburgh na Escócia, em 1265, viveu muitos anos em Paris, em cuja universidade lecionou, e morreu em Colônia no ano de 1308. Membro da Ordem Franciscana, filósofo e teólogo da tradição escolástica, chamado o Doutor Sutil, foi mentor de outro grande nome da filosofia medieval: William de Ockham. Foi beatificado em 20 de Março de 1993, durante o pontificado de João Paulo II. Formado no ambiente acadêmico da Universidade de Oxford, onde ainda pairava a aura de Robert Grosseteste e Roger Bacon, posicionou-se contrário a São Tomás de Aquino no enfoque da relação entre a razão e a fé. Seu pensamento é agostiniano, mas de forma menos extremada que São Boaventura ou, mesmo, Matheus de Aquasparta; as diferenças entre ele e São Tomás de Aquino, como as dos outros, provem de uma mistura maior de platonismo (derivado de Santo Agostinho) em sua filosofia. Para Scot, as verdades da fé não poderiam ser compreendidas pela razão. A filosofia, assim, deveria deixar de ser uma serva da teologia, como vinha ocorrendo ao longo de toda a Idade Média e adquirir autonomia. Suas principais obras são o "Opus Oxioniense", "Quaestiones de Metaphysica" (Questões de Metafísica) e "De Primo Princípio"(Do Primeiro Princípio). Um dos grandes contributos de Scot para a história da filosofia, afirmam os historiadores, está no conceito de hecceidade (haecceitas ). Tal teoria, valoriza a experiência, e distancia a preocupação exclusivista da filosofia com as essências universais e transcendentais.

domingo, 20 de novembro de 2011

ASPECTOS DA NOÇÃO DE JUSTIÇA E DIREITO PARA O HOMEM COMO SUJEITO DO DIREITO

Parte 1

O entendimento que os seres humanos têm de si, individual e coletivamente, varia no tempo, no espaço e nas culturas. Logo, falar em direitos humanos no século XVIII francês não tem o mesmo significado de tratar o mesmo tema, hoje, no Brasil. As mudanças históricas impuseram novos problemas e novos entendimentos que propiciam um outro referencial para os direitos humanos.

A Grécia nos legou as premissas das regras para se aferir a justiça ou não do direito. Quando os sofistas distinguiram logos de nomos, isto é a lei natural da lei humana introduziram um modo de aferir a justiça e adequação das leis da sociedade. Justa seria a lei humana que não desobedecesse aos difames da lei natural. Isso pressupunha a existência de um universo imutável, com leis eternas, às quais as leis humanas deveriam se subordinar. Está ai uma das fontes do que hoje se entende por direito natural.

Direito é o conjunto de normas obrigatórias que disciplinam as relações humanas e também a ciência que estuda essas normas. A ciência jurídica tem por objeto discernir, dentre as normas que regem a conduta humana, as que são especificamente jurídicas. Caracterizam-se estas pelo caráter coercitivo, pela existência de sanção no caso de não observância e pela autoridade a elas conferida pelo estado, que as consagra.

A maior contribuição do pensamento grego para o direito foi a formação de um corpo de idéias filosóficas e cosmológicas sobre a justiça, mais adequado para apelações nas assembléias populares do que para estabelecer normas jurídicas aplicáveis a situações gerais. As primitivas cosmologias gregas consideravam o indivíduo dentro da transcendental harmonia do universo, emanada da lei divina (logos) e expressa, em relação à vida diária, na lei (nomos) da cidade (polis).

No século V a.C., os sofistas, atacados mais tarde por Sócrates e Platão, examinaram criticamente todas as afirmações relativas à vida na cidade-estado, destacando as amplas disparidades entre a lei humana e a moral, rejeitando a idéia de que a primeira obedecia necessariamente a uma ordem universal. O objeto de estudo dos sofistas era o homem, conforme a clássica afirmação de Protágoras de Abdera, que viveu de 480 a.C. na Sicília, a 410 a.C. “o homem é a medida de todas as coisas como a "a medida de todas as coisas, que são enquanto são [e] das coisas que não são, enquanto não são.", tendo como base para isso o pensamento de Heráclito. Tal frase expressa bem o relativismo tanto dos Sofistas em geral quanto o relativismo do próprio Protágoras. Se o homem é a medida de todas as coisas, então coisa alguma pode ser medida para os homens, ou seja, as leis, as regras, a cultura, tudo deve ser definido pelo conjunto de pessoas, e aquilo que vale em determinado lugar não deve valer, necessariamente, em outro. Esta máxima também significa que as coisas são conhecidas de uma forma particular e muito pessoal por cada indivíduo, o que vai contra, por exemplo, ao projeto de Sócrates de chegar ao conceito absoluto de cada coisa. Segundo Protágoras, o sujeito é capaz de conhecer, projetar e construir. Os sofistas negavam que a lei e a justiça tivessem valor absoluto, pois eram criadas pelos homens, de acordo com determinadas circunstâncias, e por isso, relativas e sujeitas a transformações.

Platão criticou esse conceito e contrapôs ao que considerava como subjetivismo sofista a eternidade das formas arquetípicas, de que a lei da cidade-estado seria um reflexo. Na utopia descrita em sua República, Platão afirma que a justiça prevalece quando o estado se encontra ordenado de acordo com as formas ideais asseguradas pelos sábios encarregados do governo. Não há necessidade de leis humanas, mas unicamente de conhecimentos transcendentais.

A República constitui-se um Estado construído sob a idéia do logos, uma dimensão racional. Nele Platão propõe uma divisão racional do trabalho, cuja idéia de justiça vai orientar a diversidade de funções exercidas pelas classes sociais: os artesãos, que se encarregam da produção material da existência. Os soldados, que se encarregam da defesa da cidade e os guardiões possuem a tarefa de zelar pela observância das leis e igualmente pela defesa e administração interior, na verdade a proposta platônica é de os habitantes do Estado-logos também sejam guardiões de si mesmos.

Continua...

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